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O Grupo de Auxílio aos Resgatinhos (GAR) iniciou suas atividades após um caso específico de acumulação de animais em Ponta Grossa. O transtorno mental conhecido como Síndrome de Noé é ainda negligenciado por autoridades, e pode ocasionar gerar problemas graves aos bichinhos

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m 3 de fevereiro de 2020, a Polícia Ambiental se dirigiu até uma residência no bairro Contorno, em Ponta Grossa. Os policiais haviam recebido reclamações de moradores sobre um forte mau cheiro que vinha de uma das casas da vizinhança. Lá, 

encontraram cerca de 380 gatos vivendo em situações precárias. Era a casa de uma acumuladora de animais, que não tinha condições de oferecer as condições mínimas de bem-estar a tantos gatos.

Parte deles estava presa em caixas, quartos e banheiros, sem acesso a água ou luz, enquanto outros apresentavam problemas graves de saúde e diversos sintomas de doenças. Nos fundos da casa, havia um abrigo com 9 m² onde estavam mais de 50 gatos.

Com a ajuda do Grupo de Auxílio aos Resgatinhos de Ponta Grossa (GARPG), os gatos foram retirados da casa da acumuladora, que afirma que sua intenção era recolher os animais da rua e cuidar deles. Graças ao trabalho dos voluntários e da forte contribuição por meio de doações, o GAR, inicialmente criado para atender a demanda específica da acumuladora, continua operando.

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Conheça alguns dos gatinhos do GAR na galeria de fotos abaixo.

OS VOLUNTÁRIOS

Alguns gatos do resgate da acumuladora estão no GAR até hoje, junto com animais de outros casos de maus-tratos. Muitos carregam traumas e doenças incuráveis, tal como a Fiv e a Felv, comprometendo o sistema imunológico.

Mesmo convivendo com as condições complicadas dos animais no dia a dia, para Natalia Reda, de 20 anos, e Yann Senger Kochmann, de 19, o voluntariado é uma atividade de grande importância. “Para mim é como uma terapia, é muito gostoso de vir pra cá. Lógico, às vezes é mais pesado por ter um gato doente e ter que fazer alguma medicação, mas é muito legal. Inclusive, comecei a cursar Medicina Veterinária por causa do GAR”, comenta Natalia. “Teve uma época que participei do parto de quatro gatas prenhas que foram resgatadas, e me apaixonei. Faz quase um ano que estou no curso”.

“Eu gosto bastante também. Por mim, quero ficar a vida inteira fazendo algum projeto social, estar envolvido com algo do tipo porque acho que realmente muda muita coisa na vida dos animais”,  afirma Yann.

Os dois são voluntários no GAR há cerca de dois anos, e conhecem os costumes e personalidades de praticamente todos os 27 gatos que residem no local. Eles dedicam todas as tardes de sexta-feira e a manhã de dois domingos do mês ao trabalho voluntário, e se oferecem para levar os gatos em consultas veterinárias quando preciso.

Assim como Yann e Natalia, o interesse pelo trabalho voluntário tem crescido no Brasil. É o que mostra a Pesquisa Voluntariado no Brasil 2021, realizada pelo Datafolha em parceria com o Instituto para o Desenvolvimento Social (IDIS).

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De acordo com a Lei Federal 9.608/1998, o voluntariado compreende toda atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidades públicas de qualquer natureza, ou instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos culturais, educacionais, recreativos ou de assistência à pessoa. Qualquer pessoa que deseje doar seu tempo e esforço para causas sociais pode se tornar voluntária. Porém, é preciso ter responsabilidade.

Todos os que desejam ser voluntários no GAR, por exemplo, passam por um processo de entrevista e treinamento. Isso envolve a apresentação de tarefas a serem realizadas, escolha do dia e turno em que irão atuar no abrigo (manhã, tarde ou noite), são questionados se possuem experiência no manejo e cuidado de animais, entre outros aspectos. 

Já participando do GAR, os voluntários se organizam em equipes para cuidar de áreas específicas. Há a equipe de apadrinhamento, que envia fotos aos padrinhos dos gatos pelo menos duas vezes por mês, equipe de saúde, recursos humanos, nutrição, gerenciamento das redes sociais, equipe de adoção, finanças, entre outras. Os próprios voluntários, inclusive, organizam eventos como bazares e vendas de doces para arrecadar dinheiro para o pagamento de consultas veterinárias, compra de ração, sachês, granulado etc.

Por não estabelecer vínculo empregatício, o serviço não é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Isso significa que os voluntários não possuem os mesmos direitos garantidos por lei para funcionários de empresas, por exemplo. Uma vez que operam sem fins lucrativos, os voluntários desempenham um papel fundamental na manutenção e existência dessas organizações, sendo um trabalho que requer responsabilidade e comprometimento.

O DIA A DIA

Higienizar caixas de areia, varrer o abrigo, lavar panos e cobertas, lavar potes de ração e água e repor comida nos potinhos. Essas são algumas das tarefas que Natalia e Yann realizam todas as tardes de sextas-feiras no abrigo do Grupo de Auxílio aos Resgatinhos. Para manter a higiene do local e evitar a transmissão de doenças entre os gatinhos, é preciso deixar tudo sempre muito bem higienizado.

Por isso, todas as visitas que chegam ao GAR precisam desinfetar os sapatos com Lysoform. Ao entrar no abrigo, alguns dos gatos aparecem para pedir carinho e brincar nos arranhadores, enquanto outros ficam mais afastados. Café, de aproximadamente 6 anos, é um deles.

“O Café é muito na dele. A gente precisa dar medicações com frequência porque ele tem insuficiência renal. Hoje em dia, a gente consegue fazer um pouco mais de carinho nele, ele não é de pedir colo, mas é bem amoroso com os outros no gatil. Mas antes, ele realmente não deixava a gente dar remédio e fazer carinho”, comenta Natalia.

Café é um dos gatos que foi resgatado da acumuladora de animais em 2020. Quando chegou no abrigo, não era castrado e era completamente selvagem e feral, de forma que não conseguia socializar com as pessoas ao redor devido às condições em que vivia. Hoje, ele é castrado, começou a aceitar carinho de humanos e é amigável, porém, ainda não conseguiu uma família. Ele, inclusive, é um dos ‘rejeitadinhos do GAR’. É como os voluntários chamam os gatos do abrigo que estão há mais de um ano sem conseguir um dono.

ACUMULADORES DE ANIMAIS

Mas por que ter um grande número de animais é, na maioria das vezes, considerado problemático, como no caso da acumuladora que serviu como ponto de partida para a criação do GAR? 

O transtorno mental conhecido como Síndrome do Acúmulo de Animais, ou Síndrome de Noé, tem sido objeto de estudo de alguns pesquisadores ao redor do Brasil.

Um deles é Thiago Fuchs, cujo estudo foi publicado em 2023 pela Universidade do Contestado em Santa Catarina. De acordo com a pesquisa, a Síndrome é um transtorno comportamental no qual uma pessoa, apesar de gostar de animais, não consegue reconhecer o sofrimento dos animais que estão sob sua tutela. Geralmente, essas pessoas carecem de condições financeiras, estruturais e psicológicas para proporcionar os devidos cuidados aos bichinhos.

O problema não é exatamente a quantidade de animais, mas sim outros fatores que determinam a acumulação, tais como a falta de cuidados mínimos com os animais, a falta de reconhecimento do problema da situação e suas consequências, e a tentativa contínua de aumentar o número de animais. É o que aborda o artigo de Paula Tavolaro e Tamara Leite Cortez, publicado em 2017 no Atas de Saúde Ambiental, um periódico do Curso de Mestrado Profissional em Saúde Ambiental das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

Segundo o estudo, as consequências da acumulação incluem o sofrimento dos próprios animais e do tutor, e a precariedade da moradia, que fica inabitável.  As autoras, inclusive, argumentam que o fenômeno da acumulação é uma das principais causas do sofrimento em animais, provocando, até mesmo, danos maiores do que aqueles causados por atos violentos praticados de forma intencional.

Graziela Ribeiro, mestre e doutora em Ciências Veterinárias com ênfase em Saúde Única, afirma que a acumulação pode afetar não apenas os animais e seus tutores, mas também a saúde dos indivíduos que moram no entorno, bem como do meio ambiente e de outros animais.

Ela também explica que um maior investimento em estratégias para promoção da saúde mental seria um método eficaz para diminuir o surgimento do transtorno, além da identificação precoce dos casos pelas autoridades competentes. Porém, devido a complexidade de fatos associados a acumulação, a situação ainda é negligenciada. 

"Os indivíduos com transtorno de acumulação frequentemente relatam a ocorrência de eventos vitais estressantes e traumáticos, como perda de ente querido, abandono ou violência, que precedem o início dos sinais ou causam sua exacerbação. A acumulação pode funcionar como uma ferramenta obsessiva e compulsiva de compensação. Portanto, o desenvolvimento de estratégias de psicoeducação e promoção da saúde mental para instrumentalizar as pessoas a lidarem de forma mais saudável com situações adversas, poderiam ter impacto no surgimento de novos casos de acumulação", afirma.

Para um melhor tratamento daqueles indivíduos já diagnosticados com o transtorno, uma abordagem interdisplinar que envolva a investigação, a resolução e monitoramento do caso a longo prazo seria ideal.

"Para o desenvolvimento dessa abordagem, faz-se necessário a estruturação de uma Linha de Cuidado específica para os casos de acumulação de animais, que seja abrangente e que permita adequações necessárias de acordo com as características de cada caso. O objetivo deve ser pautado na promoção da atenção integral a saúde única (das pessoas em situação de acumulação, de seus animais, da comunidade que vive em seu entorno e do meio ambiente), com o desenvolvimento de ações coordenadas no âmbito do serviço público, que possibilitem reduzir os riscos e os impactos negativos das situações de acumulação", finaliza.

ADOÇÃO RESPONSÁVEL

Então só gostar de animais não é suficiente para adotar um animal? Isso mesmo. Como percebe-se no caso dos acumuladores, a adoção vai muito além do que simplesmente ter um animal dentro de casa. É preciso levá-lo ao veterinário, dar alimentação de qualidade, carinho, dedicar tempo ao animal, ter espaço em casa, entre outras responsabilidades.

Os voluntários do GAR, por exemplo, entrevistam todos aqueles que desejam adotar um gato do abrigo. Geralmente, o primeiro contato acontece pelo Instagram, e a equipe de adoção ajuda nesse processo.

“Nós fazemos o processo de adoção dessa maneira para conhecer melhor as pessoas que entram em contato”, afirma Yann. “Preferimos que a pessoa venha pessoalmente ao abrigo do que ver os gatos só por fotos, para ela realmente conhecer o gatinho, porque muitas vezes acaba que ele não é como a pessoa pensa e acaba devolvendo”, comenta Natalia.

Titica é uma das gatinhas do GAR que foi devolvida. Ela foi adotada, e após morar um ano com a tutora, voltou ao abrigo. Segundo Isabele Futerko, presidente do GAR, a ex-tutora teria alegado que não poderia ficar com o animal pois voltaria a morar na casa dos pais, e não teria como levar a gata junto. Contudo, Isabele acredita que a dona não teria dado conta de oferecer todos os cuidados que um animal precisa. “No estado que a Titica chegou, a gente acredita que ela foi ficando muito doente, e a tutora não deu conta de cuidar, ou não tinha condição de cuidar, e devolveu por isso”, afirma.

A chamada ‘adoção responsável’, amplamente citada pelos protetores de animais, visa educar os tutores a saberem que os animais exigem cuidados a longo prazo, assim como um ser humano ao longo da vida. O termo, contudo, vai muito além de falar aos tutores que eles devem ‘ser responsáveis’. 

Segundo o estudo de Michele Brugnerotto, intitulado Epidemiologia do abandono de animais domésticos e aspectos relacionados, uma guarda responsável está relacionada à mudança do comportamento de um tutor ‘irresponsável’, de forma que ele entenda que uma conduta negligente tem o potencial de afetar tanto o bichinho quanto a sociedade no geral.

É preciso entender que o animal tem necessidades físicas e psicológicas que devem ser atendidas, e que atitudes, como o abandono, dá abertura para a transmissão de doenças, zoonoses e mordeduras, por exemplo.

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