Muitas famílias em vulnerabilidade social não conseguem dar todo o suporte que seus bichinhos de estimação precisam. Por isso, a Casa Los Lobos e Los Gatos oferece apoio e ajuda a oferecer alimentação de qualidade e cuidado veterinário para esses animais
P
inhão, um vira-lata filhote, fica empolgado ao perceber que algumas visitas entraram pela porta do quarto da casa onde reside temporiamente. Apesar de muito esperto e ficar animado ao ver cada pessoa, ele não consegue se levantar do chão.
O animal participa de uma das seus sessões de fisioterapia, a fim de recuperar o movimento das pernas traseiras que ficaram paralisadas por conta da cinomose, uma doença grave e altamente contagiosa que afeta diversos sistemas do corpo canino.
Anna Cuimachowicz e Natana Rodrigues, presidente e conselheira da ONG Casa Los Lobos e Los Gatos, não apenas acompanham o cãozinho durante aquela sessão, mas também supervisionam uma vez por semana as sessões de fisioterapia para monitorar o avanço do tratamento que pode durar cerca de seis meses.
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Antes de ser resgatado pela ONG, Pinhão residia na Ocupação Ericson John Duarte, localizada na região do Parque das Andorinhas em Ponta Grossa. Seus tutores viviam em uma situação de extrema vulnerabilidade e não tinham como proporcionar o bem-estar adequado que o animal necessitava. Ali, vivia em condições de maus-tratos. Passava fome, e certo dia enquanto revirava o lixo em busca de comida, foi agredido com chutes e pancadas na cabeça por uma pessoa que passava pelo local.
​A equipe da Casa Los Lobos e Los Gatos já estava ciente do caso, e fornecia remédios e ração para que a família pudesse tratar e alimentar o animal. Porém, ao apresentar sinais de desnutrição, debilidade física e testar positivo para cinomose, o cachorro foi transferido para um lar temporário com consentimento dos tutores.
A moradia em que Pinhão reside temporariamente é custeado pela ONG, bem como as consultas ao veterinário e sessões de fisioterapia. No total, os gastos mensais relacionados apenas ao cuidado do cão somam R$1749,00. Esse valor abrange: lar temporário (R$120,00 semanais), alimentação de qualidade (R$280,00 mensais), fraldas + produtos de limpeza + higiene + tapetes higiênicos (R$200,00 mensais), medicação (R$159,00 mensais), sessões de fisioterapia + transporte (R$630,00 mensais).
Ficar na Ocupação não colocava apenas a saúde de Pinhão em risco, mas também a saúde de muitos outros animais que residem no local. A cinomose é uma doença infectocontagiosa, de transmissão extremamente fácil entre cães. Dependendo da carga viral, a taxa de mortalidade varia de 50% a 90%, de acordo com o boletim técnico da companhia farmacêutica alemã Boehringer Ingelheim.
Alguns dos principais sintomas são vômito, diarreia, febre, depressão, tosse seca, conjuntivite serosa e cegueira súbita. A doença também pode afetar o sistema nervoso central, fazendo o cão ter convulsões, tremores, andar compulsivo, andar em círculos, entre outros sinais.
É uma doença que demanda tratamento profissional ágil para fortalecer o organismo dos cães, ajudando-os a combater o vírus e sobreviver à doença. Apesar de não ter cura, a cinomose pode ser prevenida por meio da imunização com a Vacina Polivalente, também conhecida como V10 ou múltipla.
SUPERLOTAÇÃO
A Casa Los Lobos e Los Gatos, além de assistir Pinhão durante o tratamento para recuperação da cinomose, também abriga 52 animais, sendo 42 gatos e 10 cães. Esses animais se enquadram em um perfil que geralmente não agrada a maioria das pessoas que desejam adotar um pet: são convalescentes (estão processo de recuperação gradativa da saúde), possuem algum tipo de doença ou são idosos.
“Esses animais ficam à margem da sociedade, ninguém quer adotá-los, e na Casa Los Lobos e Los Gatos eles encontram um espaço de descanso, de poder viver como um residente. A gente não gosta de chamar de abrigo, é uma casa que tratamos eles como membros da família, sabemos os nomes, os gostos e os costumes de todos”, afirma Anna.
A situação das instituições de proteção animal de Ponta Grossa, porém, está cada vez mais desafiadora. O espaço disponível para abrigar os animais está quase no limite, e os recursos para cobrir tantas despesas é insuficiente. Para angariar fundos, essas entidades costumam organizar rifas, bazares, eventos e campanhas, mas nem sempre o dinheiro obtido atende às necessidades.
Infelizmente, o cenário se repete na Casa Los Lobos e Los Gatos. “No momento nós estamos superlotados, e é um cenário que temos visto bastante com as protetoras individuais, ONGs e abrigos da cidade. Não se tem mais espaço para manejar e cuidar de tantos animais”, comenta a presidente da ONG.
Para evitar que um número maior de animais fique desamparado, algumas organizações de proteção animal providenciam doações de ração à famílias carentes, ao mesmo tempo que as instruem a como cuidar de seus pets. São orientadas de que, tal como os seres humanos, os animais precisam se alimentar, devem ser protegidos do sol, necessitam de carinho e não devem ser mantidos presos em correntes, por exemplo. Tendo isso em vista, a Casa Los Lobos e Los Gatos oferece apoio a 11 animais que pertencem a famílias carentes.
Um deles é o Estrelado, um cachorro com aproximadamente 2 anos da idade que reside na Ocupação Ericson John Duarte. Graças a ajuda da ONG, Estrelado já foi castrado, vacinado, recebeu vermífugo, fez visitas ao veterinário e ganhou casinhas e cobertas. Todo mês, a família responsável por ele recebe doações de ração.
Estrelado fica muito contente ao receber a visita de Anna e Natana, que estão sempre em contato
verificar o estado de saúde do cachorro e avaliar como ele está sendo tratado pela família. No entanto, apesar de todo o suporte oferecido pela ONG, as duas ficam apreensivas quanto à vulnerabilidade em que o cão vive.
com os tutores para
​Enquanto cumprimentam a tutora, um cavalo passa correndo na rua e Estrelado o persegue sem hesitar. Essa infelizmente é uma das razões pelas quais o cão já sofreu maus-tratos, assim como por latir e revirar o lixo em busca de comida. A casa, inclusive, não tem portão, o que o deixa livre para sair e circular por onde quiser.
A mesma preocupação se repete com Mel, uma cadela que mora junto com Estrelado e que também foi vítima de maus-tratos, e que, naquele dia, não apareceu para recepcionar as visitantes como de costume. Quando começou a ser assistida pela ONG, a cachorrinha tinha uma unha encravada em uma das patas traseiras, e fugia da equipe que tentava levá-la ao veterinário para resolver o problema. Se não tratado com rapidez, poderia resultar em uma infecção generalizada, e até mesmo, em amputação.
Atualmente, a Casa está a procura de novos donos para Mel e Estrelado.
POLÍTICA DE CASTRAÇÃO GRATUITA
A Casa Los Lobos e Los Gatos assume totalmente os custos do processo de castração de Mel, Estrelado e, no futuro, de Pinhão, após sua recuperação da cinomose.
A Prefeitura de Ponta Grossa, por meio da Secretaria do Meio Ambiente, oferece o serviço de castração de forma gratuita para os moradores da cidade. De janeiro a agosto de 2023, foram realizadas um total de 3.003 castrações. No entanto, nem todos os ponta-grossenses que possuem animais de estimação são beneficiados pela política pública.
Os grupos mais impactados pela situação são as pessoas que vivem à margem da sociedade, como é o caso dos moradores Ocupação Ericson John Duarte, mencionada anteriormente. Isso ocorre porque o processo para solicitar a castração requer a apresentação de comprovante de residência, além de outros documentos.
Isabela Guimarães, moradora e integrante da direção da Ocupação, afirma que, as pessoas que ela encaminhou para fazer a castração gratuita demoraram mais ou menos um mês para a realização, mas que conseguiram fazer. Porém, como citado por Anna, outra dificuldade encontrada é em relação ao transporte.
"Acho que a maior dificuldade é conseguir levar a pessoa até o local da castração, e buscar o bichinho já castrado. Até mesmo o cuidado dessa pessoa para com o animal, por conta do lugar mesmo, das condições sanitárias", afirma.
Há alguns anos, Ponta Grossa tinha o Castramóvel, um veículo que se deslocava para bairros mais retirados da cidade para realizar castrações. Porém, atualmente o trailer é utilizado como depósito para o setor de Zoonoses.
A questão, inclusive, foi levantada por protetoras de animais durante reunião extraordinária do Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Animais, realizada no dia 07 de novembro de 2023. De acordo com os integrantes da Secretaria do Meio Ambiente que estavam presentes, realizar castrações dentro do ônibus carecia de higiene, e que, atualmente, o objetivo é criar um hospital veterinário e ampliar o atendimento dos animais por meio de parcerias com cursos de Medicina Veterinária da cidade. Por enquanto, aguardam pelos avanços.
EQUIPE
​Embora a reportagem tenha mencionado apenas os nomes de Anna e Natana, a equipe da Casa Los Lobo e Los Gatos também inclui outras três pessoas: Maria Cristina Marochi (tesoureira), Daniele Portella e Mayara Gomes (conselheiras gerais).
A Casa não conta com voluntários, devido aos traumas vividos pelos animais, que ficam muito agitados com visitas. Porém, outras instituições e abrigos, contam com uma equipe maior para atender toda a demanda dos seus animais. Um exemplo é o Grupo de Auxílio aos Resgatinhos de Ponta Grossa (GARPG), que será abordado na próxima reportagem.